Fernando Frazão / Agência Brasil
Renata Campos e os filhos do ex-governador, que usavam uma camiseta com o
novo slogan da campanha, lançado involuntariamente por Campos durante a
entrevista no Jornal NacionalHouve comoção popular na despedida de Eduardo Campos. A missa campal, o velório e o enterro do ex-governador, contudo, foram atos políticos.
Ao ouvir uma lista interminável de governadores
presentes, o rapaz ao meu lado brincou: “era mais fácil avisar os 3 ou 4
que não vieram”. De fato, estava todo mundo lá. Lula, Dilma, Aécio,
metade do ministério, dezenas de parlamentares, candidatos a tudo que é
cargo de todos os estados, ex-políticos e autoridades em geral. Renata
Campos ficou ao lado de Marina Silva a maior parte do tempo. Ela e
Antonio Campos, irmão de Eduardo, têm dado repetidas declarações em tom
eleitoral. Os deputados Beto Albuquerque e Luiza Erundina, ambos do PSB e
apontados como possíveis candidatos a vice, estavam lá. Roberto Amaral,
presidente da legenda e opositor ao lançamento automático de Marina,
também estava na primeira fila na hora em que o caixão desceu. Aí veio a
polêmica das vaias X aplausos na chegada da presidenta Dilma Rousseff,
que foi à cerimônia acompanhada do ex-presidente Lula.
Quando a candidata a reeleição chegou, houve um
pequeno princípio de vaia, logo abafado por aplausos. E ficou por isso.
Foi um episódio que durou poucos segundos e que não lembra, nem de
longe, o xingamento de dezenas de milhares de pessoas direcionado à
presidenta na abertura da Copa do Mundo. Foi um momento tão marginal que
eu, que estava ao lado do palco da missa junto aos populares e fora da
área reservada a autoridades e jornalistas, nem vi ou ouvi nada.
Foi então a vez da imprensa tradicional reforçar o tom político do ato deste domingo.
Alguns veículos noticiaram o ocorrido da seguinte
forma: “Lula e Dilma são vaiados em velório de Campos”. Acreditar que
Lula seria vaiado por uma multidão em plena capital de Pernambuco é um
erro jornalístico provavelmente causado por uma falta de experiência
aliada à cultura de perseguição ao ex-presidente, uma obsessão de
determinados donos de empresas de comunicação que acaba contaminando os
repórteres que vão para a rua. Nem todos respaldaram essa versão e
noticiaram que o princípio de vaia era, como tudo indica, apenas para
Dilma.
É um belo exemplo de como funciona a mídia no dia a
dia. Fica ainda mais uma vez claro que o tal “jornalismo imparcial” é
uma lenda com respaldo eventual apenas entre calouros de faculdades de
comunicação ou no marketing. Na vida real o jornalismo imparcial não
existe.
Explico melhor, a partir deste exemplo citado:
aconteceu um princípio de vaia à presidenta, logo encoberto por
aplausos. Dilma estava ao lado de Lula, e eles chegaram juntos ao
velório. Há muitos títulos possíveis. Por exemplo: “Lula e Dilma são
vaiados em velório de Campos”; “Dilma é aplaudida no velório de Campos”;
“Lula e Dilma são vaiados e aplaudidos no velório de Campos”; ou ainda
simplesmente: “Lula e Dilma comparecem ao velório de Campos”. E por aí
vai. Qual o correto? Não há resposta objetiva. Cada veículo escolhe o
enunciado que lhe convém, de acordo com suas preferências políticas.
Fica evidente, novamente, a necessidade de uma maior
pluralidade na mídia brasileira, que quase em sua totalidade segue uma
única linha ideológica-editorial e não representa a riqueza da
diversidade da população.
Camisetas e bandeirinhas
Não foi apenas a revoada de autoridades que caracterizou a despedida de Campos como um enorme ato político.
Desde ontem à noite uma multidão ocupou o entorno do
Palácio Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, onde Campos e
algumas das outras vítimas do acidente de quarta-feira passada foram
veladas. Milhares de pessoas formaram uma fila que serpenteava pelo bem
preservado centro histórico da capital pernambucana. Esperaram horas e
horas embaixo do sol para olhar por alguns segundos o caixão lacrado do
ex-governador. E aí tinha de tudo. Gente que veio de longe ou mora ao
lado; filiados do PSB; pessoas fantasiadas; bebês de colo, senhoras e
senhores de idade; grupos de bombeiros ou PMs uniformizados etc.
Alguns
elementos eram onipresentes. Primeiro, as bandeirinhas. Eram milhares
delas, de dois únicos modelos: a do estado de Pernambuco e outra toda
preta com a pomba branca que é o símbolo do PSB. Ambas foram
distribuídas pelos militantes da campanha Campos-Marina. Depois, as
camisetas. Contei 12 modelos diferentes com a frase “Não vamos desistir
do Brasil”, slogan lançado involuntariamente por Campos na fatídica
entrevista do Jornal Nacional na noite anterior à queda do jatinho que o
matou em Santos. Eram de várias cores, com ou sem o rosto do
homenageado. Como as bandeirinhas, as camisetas também foram
confeccionadas e distribuídas pela campanha Campos-Marina.
Ao lado da grande fila para o caixão, uma menor, com
cerca de 100 pessoas, chamava a atenção: estavam todos com o mesmo
modelo amarelo da camiseta “Não vamos desistir do Brasil”. Eram
militantes pagos do PSB que aguardavam para pegar um sanduíche de
mortadela, parte do pagamento pelo serviço do dia: a distribuição de
camisetas, adesivos e bandeiras com os rostos de Eduardo Campos e Marina
Silva e a promoção dos “bandeirassos” --ação na qual militantes ficam
em pontos de grande circulação agitando estandartes de um partido ou
candidato.
Eduardo Campos é neto de Miguel Arraes, o político de
maior prestígio da história de Pernambuco –e talvez agora lhe tome esse
posto. Era um candidato competitivo a Presidência da República. Logo,
nada mais natural que sua despedida fosse um ato político. Houve comoção
popular? Houve, claro. Uma comoção intensa e amplamente compreensível. É
inegável, contudo, que o pano de fundo era a política.
Mas muita calma nesta hora. Por mais que Marina Silva
e parte de seu eleitorado se diga contrária à chamada política
tradicional, sem ela a ex-senadora não se elegerá, e ela sabe disso.
Sendo assim, é legítima a tentativa de seus apoiadores de capitalizar
eleitoralmente este momento de comoção nacional a seu favor. É
igualmente legítimo veículos de comunicação defenderem suas posições,
mesmo quando as mesmas são ocultadas por um discurso capenga de
imparcialidade. Mais: é até saudável e natural que a despedida de
Campos, um político extremamente hábil e promissor, tenha sido um ato
político.
Não há mal algum nisso. O Brasil ficará mais maduro e
com uma democracia mais fortalecida quando pessoas, partidos e mídia
não precisarem fingir que não estão fazendo política. Criminalizar a
política como um todo não ajuda ninguém. Pelo contrário. E Eduardo
Campos sabia disso.
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