CHAMANDO A CRISE PRA DANÇAR
Assim como fizera o cego
Tirésias, avisando ao general Júlio César que os idos de março poderiam
ser-lhe aziagos, não faltou quem aconselhasse mudança de atitude à
presidente Dilma Rousseff para ela recuperar poder e prestígio antes de
chegar um abril ainda pior. Segundo xeretas palacianos, seu inspirador,
pai político e profeta de plantão Luiz Inácio Lula da Silva o fez aos
berros. Ex-aliados, amigos de ocasião e adversários de sempre insistem
na tese, mas ela faz “ouvidos de Mercadante”, no exato trocadilho do
professor Cláudio Couto.
Dois membros recentes de seu
novo primeiro escalão preferiram pular fora do bote furado antes que
este fizesse água em plena seca. No documento “sigiloso” encaminhado a
ela própria pelo secretário da Comunicação, Thomas Traumann, ficou
patente a confissão do pior dos crimes para uma gestão que se jacta de
servir a um real, embora debilitado, Estado Democrático de Direito: a
mistureba rastaquera do que é de César com o que é de Deus, ou do diabo:
o culto à personalidade, o interesse do partido e os cofres da Viúva. A
confissão pode ter passado batida na leitura do documento pela
destinatária, mas não dos pobres coitados da planície que bancam a
farra, entre os quais o autor destas mal traçadas linhas.
Ao contrário
de Brutus, que César havia escolhido para sucessor, Traumann apunhalou-a
à distância, sem dar à chefona sequer a oportunosa ensancha de parodiar
Suetônio: “Até tu, Thomas?”. Foi para o exterior, à espera de ter a
traição premiada com o doce abacaxi da assessoria de comunicação da
Petrobrás arrombada.
Cid Gomes estrelou “Os 300 de
Sobral” em palco de circo mambembe, mas não conta mais com a mão amiga
dela. Chutou o balde da coalizão governista e enfiou a peixeira no
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas fez sangrar a
“presidenta” no lado oposto da Praça dos Três Poderes. Constatando a
lorota da “Pátria Educadora”, preferiu bancar o Jânio Collor em 2018,
esquecendo o malogro do mano Ciro em idêntica intentona.
Não se sabe ao certo se foi Cid
que preferiu desertar do exército dos que combatem à sombra dos escudos
inimigos ou se foi a “generala” que o defenestrou. Mas não há dúvida
alguma de que, como nunca antes aconteceu na história deste país, o
distinto público, que paga os vencimentos de todos os personagens desta
tragicomédia bufa, ficou sabendo da demissão pela boca do presidente da
Câmara, até então tido como desafeto. Como no Flamengo x Vasco do
Maracanã no domingo, o goleiro Oliva, filho e irmão de briosos generais,
rolou a bola no campo molhado para o ex-amigo de Garotinho bater a gol
(como Alecsandro, artilheiro rubro-negro) e correr para a galera, com
guarda-chuva e galocha.
Terá sido por isso que esta semana começou com a notícia de que parte do conselho do padim
Lula de Caetés será aceita e o Freddie Mercury da dupla com Pepe Legal
Vargas ficaria no emprego, mas não seria mais o articulador político?
Ainda é duvidoso que a surdez aos apelos de aliados da coalizão possa
confinar o ministro ao gabinete na função de subcarimbador de colegas.
Não é pouco! Mas para quem se acha capaz de repetir a experiência de
Richelieu no Paranoá não deve ser muito agradável perder o poder de dar
as cartas na barganha. O eventual roque de Mercadante no xadrez do
Planalto, contudo, é lana caprina em comparação com a tarefa árdua que a
chefona do governo tem de amansar a massa.
Com 84% dos entrevistados do
Datafolha dizendo que acham que ela sabia da roubalheira na Petrobrás,
resultando em só 13% de quem avalia seu governo de bom a ótimo, Dilma
não terá vida fácil. Vai ser difícil evitar que a maior concentração
popular com a camisa da seleção (e depois dos 7 a 1 da Alemanha!) da
história nos idos de março seja superada pela que se reunirá de novo nas
ruas das cidades brasileiras em 12 de abril. O sangue de Traumann, Cid e
Mercadante não saciará a sede da massa.
Sem ter o diagnóstico certo do
mal que assola sua gestão, Dilma apelou para o receituário de sempre,
aconselhada por algum “assessor para assuntos aleatórios”. Disseram-lhe
que o povo não tem foco, como se a miopia tivesse ido à rua, e não
ficado, como ficou, no palácio. Miguel Rossetto, o porta-voz de uma
alocução só e o mais breve de todos os tempos e em qualquer governo,
disse que só protestou quem não votou nela – uma absurda agressão
sofrida pela velha aritmética euclidiana. Pois se 62% dos entrevistados
acham seu governo ruim ou péssimo, não há como algum eleitor de Dilma –
com 51,64% dos votos válidos no segundo turno, segundo o Tribunal
Superior Eleitoral – não estar frustrado com madame.
Para tirar de foco o “Fora
Dilma”, o governo tenta vender a ideia de que este foi um breve contra a
corrupção, uma queixa genérica. E, aí, ressurgiu a velha lorota do
pacote de leis anticorrupção, medida a que ela já tinha apelado na
resposta às manifestações populares de junho de 2013, na campanha
eleitoral e no discurso da vitória. Mas o advogado Modesto Carvalhosa
escreveu, em artigo publicado neste espaço anteontem, que o pacote
requenta iniciativas legais da ditadura militar (artigo 350 do Código
Eleitoral, de 1965) e do extinto ex-inimigo número um e atual aliado
preferencial Fernando Collor (a Lei da Improbidade Administrativa, de
1992, vigente). Um prato feito indigesto!
Para recuperar o fôlego perdido
Dilma deveria trocar seus traques juninos por bombas de hidrogênio
políticas. Implodir a coalizão de apoio, reduzindo o Ministério de 39
para 13, número de seu Partido dos Trabalhadores (PT), cuja estrela
perdeu o fulgor, pode ser uma cartada para, pelo menos, embaralhar o
jogo. Outra seria nomear logo um ministro acima de qualquer suspeita
para completar o Supremo Tribunal Federal. Não se safará se só se livrar
da dupla aloprada Freddie Mercury e Pepe Legal. Mas esta não será uma
má ideia para tentar escapar – melhor do que chamar a crise pra dançar!
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