Cidade sem praia ganha royalties de petróleo produzido no litoral
Um município do interior do Rio Grande do Norte vem conseguindo na
Justiça o direito de receber royalties de produção marítima de petróleo e
gás natural apesar de nenhuma gota de origem marítima passar por seu
território. Desde 2009, a cidade já ganhou R$ 67 milhões.
Quase metade da receita de Pendências, município de 14 mil habitantes a
cerca de 200 km de Natal, vem de royalties provenientes da produção na
bacia Potiguar. Royalties são compensações pela produção pagas pelas
empresas de petróleo e gás ao governo federal, que repassa parte dos
valores a Estados e municípios.
O imbróglio começou em 2008. Na época, Pendências recebia R$ 308 mil
mensais de royalties por ser produtora de petróleo terrestre e vizinha
de cidades com produção marítima.
A prefeitura contratou dois escritórios de advocacia do Recife,
especializados no tema, para entrar na Justiça Federal contra a Agência
Nacional de Petróleo (ANP) reivindicando também os royalties marítimos,
cujos valores são maiores.
A alegação era que a cidade tem "instalações de embarque, desembarque e
transferência de petróleo e gás oriundos de produção na plataforma
continental [mar] e também terrestre".
Editoria de Arte/Folhapress | ||
O pedido foi negado em primeira instância, mas os advogados recorreram.
Em 2009, por dois votos a um, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da
5ª Região (TRF-5) concedeu a liminar favorável ao município.
À época, o desembargador Lázaro Guimarães, que votou a favor da cidade e
assumiria depois a relatoria do processo, considerou que Pendências tem
"estação terrestre de processamento do gás".
Com a liminar, os royalties saltaram para R$ 2 milhões mensais, dos
quais R$ 400 mil passaram a ir para os escritórios de advocacia Ferraz e
Oliveira Advogados Associados e Lopes e Moury Fernandes Advocacia,
conforme contrato com a prefeitura.
MÉRITO
Em julho, ao julgar o mérito da ação, o juiz federal Fabio Bezerra
concluiu, após inspeção, que Pendências não tem petróleo nem gás de
origem marítima, apenas petróleo terrestre, pelo qual a cidade já
recebia.
O magistrado cancelou os pagamentos e mandou a prefeitura devolver os R$
67 milhões extras que ganhou desde 2009, por força da liminar.
Na sentença, Bezerra afirma que o município foi contrário a uma perícia
no local enquanto não recebia os valores. Mas, após começar a
recebê-los, passou a defender uma perícia com o intuito de atrasar a
decisão judicial.
O juiz escreve que ao longo da ação, a cada nova peça apresentada, os
advogados mudavam as justificativas para a solicitação dos royalties.
Os escritórios recorreram. Em agosto deste ano, o desembargador
Guimarães suspendeu a sentença do juiz, novamente em caráter liminar, e
deu mais uma vez os royalties à cidade.
A ação aguarda julgamento do mérito no TRF-5, ainda sem data para
ocorrer. À medida que o tempo passa, cresce o valor que precisará ser
devolvido se a cidade perder.
"Se hoje, com o caixa cheio, não temos uma sala de parto no único
hospital municipal, imagina no futuro, se tivermos que devolver esses
royalties", diz o presidente do sindicato dos servidores municipais,
Isac Carlos.
Procurada, a ANP não comentou o caso, tampouco informou se há outros municípios em situação igual.
ADVOGADOS
O Ministério Público Federal questiona o contrato entre a Prefeitura de
Pendências e seus advogados, que ficam com 20% dos royalties de petróleo
e gás marítimos que o município recebe.
Para o procurador da República Fernando Rocha, os advogados passaram a
ser "sócios" financeiros do município. "Os escritórios não foram
licitados, é um dos assuntos mais escabrosos que já observei", afirma.
A Procuradoria pede a suspensão do contrato e a devolução do valor
recebido pelos advogados -cerca de R$ 400 mil por mês desde 2009.
O MPF obteve liminar em primeira instância cancelando o contrato, mas a
decisão foi revertida no TRF-5, após os advogados recorrerem.
"Eles [os advogados] poderiam ter argumentado várias coisas, inclusive
que a questão não era de competência da Justiça Federal. Mas
argumentaram que quem poderia analisar esse agravo era o desembargador
[do caso dos royalties, Lázaro Guimarães] -e assim foi", diz o
procurador.
Arthur Maia Neto, advogado da prefeitura, diz que pediu que o caso fosse
apreciado pelo desembargador porque o processo estava ligado à ação
anterior dos royalties.
Ele afirma que, no julgamento do mérito, o cancelamento do contrato foi julgado improcedente em 2011.
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